Produção comercial de Organismos Aquáticos: curso promove capacitação de olho em mercado pouco explorado

3 dez 2020 Compartilhar

A costa marítima brasileira possui uma unidade territorial que se estende por 8.500 km, passando por 17 estados e cerca de 400 municípios, de Norte a Sul do país. Além disso, abarca 12% de toda a água doce disponível no planeta. Por essas condições favoráveis, o Brasil apresenta um grande potencial para a aquicultura, atividade crescente e promissora.

Costa brasileira favorece as atividades de aquicultura. Foto: Pixabay.


Umas das grandes dificuldades do setor, no entanto, é o fato de muitos produtores ainda não terem acesso ao conhecimento mínimo necessário para desenvolver adequadamente seu trabalho. É uma barreira a ser superada. E o Programa Novos Caminhos, na Escola Agrícola de Jundiaí/UFRN, contribuiu efetivamente para suprir essa lacuna, oferecendo qualificação para profissionais e pessoas interessadas nesse mercado, com o curso “Aquicultura: Produção Comercial de Organismos Aquáticos”.

A oferta superou as expectativas. “Inicialmente iríamos abrir apenas duas turmas e, devido à demanda, acabamos expandindo para cinco, totalizando 383 alunos matriculados”, informou o professor David Araújo, coordenador do curso.

O professor disse, ainda, que o público foi bastante diversificado, com alunos que estavam ainda cursando o Ensino Médio até profissionais gabaritados, já com pós-doutorado. “Foi um grande desafio, porque tivemos que transmitir conteúdos que não fossem tão tecnicistas para aqueles alunos com menor formação e, ao mesmo tempo, que não se apresentassem superficiais para os alunos mais qualificados”, explicou.

Nivelados os conteúdos, os alunos receberam muito bem as informações. “Os que já trabalham no setor de aquicultura elogiaram bastante as disciplinas correspondentes às áreas em que eles atuam, e os que nunca tiveram contato com os assuntos também se mostraram satisfeitos por estarem conhecendo o universo totalmente novo da aquicultura”, comemorou o professor.

Cronograma do curso

A estrutura do curso foi montada no sentido de englobar as disciplinas essenciais para o estudo dos organismos aquáticos. Começando por Limnologia, que é o estudo das águas, disciplina ministrada pela professora Leila Laise Souza, engenheira e doutora na área de aquicultura. Em seguida, o professor do Instituto Federal do Ceará/IFCE, Emanuel Soares contribuiu com sua experiência em Piscicultura Continental. Na disciplina de Carcinicultura, que é o cultivo de crustáceos em geral, a professora Emanuelly Rodrigues apresentou um enfoque no cultivo de camarão.

O coordenador do curso, David Araújo, doutor em ciências marinhas tropicais e professor da EAJ/UFRN, ministrou duas disciplinas: Reprodução e Larvicultura, na qual é estudada a biologia reprodutiva dos organismos aquáticos, e Maricultura, em que apresentou tópicos de oceanografia e desenvolvimento de macro e microalgas, que são produtos muito utilizados na aquicultura e têm um potencial de mercado muito grande. Na disciplina de Construções e Instalações Aquícolas, também ministrada pelo professor Emanuel, foram mostradas as estruturas de tanques utilizadas nos cultivos. O engenheiro de aquicultura Daniel Anchieta ministrou a disciplina de Aquicultura Ornamental, e, encerrando o curso, a profa. Alynne Rodrigues, que é formada em gastronomia e engenharia de aquicultura, apresentou aos alunos a área final da produção, com a disciplina de Processamento do Pescado, mostrando métodos de conservação e beneficiamento dos produtos.

Segundo o professor David, com o desafio de oferecer um curso na modalidade de educação a distância, foi preciso criar maneiras de tornar a apresentação dos conteúdos mais dinâmicas. Assim, além das videoaulas expositivas, houve aulas de campo. O professor explicou como funcionava: “via de regra, tínhamos uma videoaula expositiva sobre o tema a ser abordado e, posteriormente, fazíamos uma aula prática de campo, que era gravada e apresentada aos alunos”. Uma vez que o aluno não tinha a possibilidade de realizar a prática, “os professores levavam a prática até eles”, ressaltou David.

Outros aliados foram os chats e fóruns realizados pela plataforma de estudo do Programa Novos Caminhos. “Quando o aluno, após assistir a aula, ficava com uma dúvida, entrava em contato e o professor sanava seus questionamentos por esses meios. E, para facilitar ainda mais esse contato, ao final de cada disciplina fazíamos uma grande webconferência, reunindo todos os alunos em uma única sala, uma oportunidade que o aluno tinha de fazer perguntas diretamente para os professores especialistas no tema em discussão. Era um momento muito enriquecedor”, apontou o coordenador.

Mercado

David Araújo informou que o curso contou com inscritos oriundos do extremo norte ao sul do país, como Rondônia e São Paulo, e que muitos deles se inscreveram com a intenção de abrir o seu próprio negócio. 

Além dos que demonstraram interesse em empreender, seja na aquicultura ornamental, que exige um custo inicial menor, seja na piscicultura de corte ou na área de processamento de pescado, muitos alunos, segundo o professor, externaram que o curso ajudou bastante no posto de trabalho que ocupam. Ele citou como exemplo o pessoal do Laboratório de Larvicultura da Escola Agrícola de Jundiaí, que cedeu as instalações para a gravação de imagens utilizadas nas aulas práticas da disciplina. “Temos três funcionários do laboratório da EAJ fazendo o curso e de um outro laboratório concorrente tínhamos mais dois funcionários, todos buscando aprimoramento dentro do setor em que já trabalham”.

Ainda sobre o mercado de trabalho, o professor apresentou o cenário do Rio Grande do Norte para exemplificar. David disse que, naturalmente, o Estado já tem um potencial grande para a área da aquicultura, principalmente a aquicultura marinha, que é muito forte por causa do camarão. “Isso é histórico. Inclusive, a palavra potiguar, de origem dos índios potiguares, significa comedor de camarão”, ratificou. O potencial do Brasil, como um todo, é muito forte, por conta da extensão de sua costa. “Temos áreas de temperaturas mais tropicais, propícias ao cultivo do camarão marinho, por sua vez, na região mais interiorana temos um potencial hídrico extremamente elevado, mesmo nós, que estamos no Nordeste, temos ainda um potencial elevado para produção de peixe de águas continentais”. 

Diante desse quadro propício, o professor David Araújo destacou um diferencial que poderia ser mais bem explorado no país. Segundo ele, em regiões interiores – onde se tem águas com níveis de sal mais elevados, a água salobra, utilizada pra o cultivo do peixe e do camarão –, também existe um nicho de mercado inexplorado, que é o cultivo de microalgas, tanto para alimentação humana quanto para a indústria de derivados alimentícios, a chamada “health food” (comida saudável). “Você vai numa loja de produtos naturais e encontra, por exemplo, cápsulas de espirulina, entre outros produtos, que são vendidos a um preço bem elevado, e nada disso é produzido aqui no Brasil”, pontuou o professor. “Poderíamos explorar bastante esse mercado, inclusive na parte de cultivo de macroalgas, que podem ser utilizadas na produção de biodiesel ou na produção de ‘health food’ para a população”.

Presente em todo o território brasileiro, a atividade aquícola tem muito a seu favor:  disponibilidade de recursos hídricos, clima favorável e um mercado interno cuja demanda é crescente. São muitas barreiras a serem ultrapassadas, entretanto, o mercado está aberto para os profissionais que estão dispostos a encarar esses desafios.

Cultivo de algas para o mercado de "health food" é pouco explorado no país. Foto: Pixabay.